De Ruy Castro, uma ode às bobagens da imprensa
- Aderbal Machado
- há 3 dias
- 2 min de leitura
POUCO MAIS DE MUITO
Outro dia, numa notícia sobre certo político infame —não vou dizer o nome, só as iniciais: Eduardo Bolsonaro—, um jornal informou que seu salário era de "pouco mais de R$ 46, 3 mil". Embatuquei. Quanto será "pouco mais de R$ 46, 3 mil"? R$ 46.310? R$ 46.320? Pouco antes, eu lera vibrantes relatos de que Oscar, ex-craque do basquete, fizera "pouco mais de 49 mil pontos" e que sairia um novo dicionário "Aurélio" com "pouco mais de 200 mil palavras". Se a ideia era enfatizar a grandeza dos números, não seria melhor dizer que Oscar chegara a "quase 50 mil pontos" e que o Aurélio teria "mais de 200 mil palavras"? O "pouco mais" não diminuía essa grandeza? Por que usá-lo? Porque, às vezes, escrevemos no piloto automático.
Eu sei, é difícil evitar certo automatismo ao escrever, ainda mais no caso de profissionais que escrevem demais. Raro o dia em que não leio que fulano "bateu o martelo" a respeito de alguma coisa —ou seja, tomou uma decisão, optou por uma escolha. Mas, pela incidência com que hoje se "bate o martelo", vivemos sob uma cacofonia de marteladas. Por que isso? Porque "bater o martelo" já nos vem pronto aos dedos, sem passar antes pela cabeça. Se não ficarmos atentos, vai se intrometer sem cerimônia no texto.
Os exemplos são muitos e só reforçam minha convicção de que ninguém escreve particularmente bem. Alguns, sim, reescrevem particularmente bem —escrito o texto, concentram-se e o enxugam de clichês, palavras repetidas, excesso de advérbios, frases pouco claras e outros paralelepípedos. Com tudo expurgado, dão a impressão de que "escrevem bem".
E como reescrever bem? Uma das maneiras é confiar no próprio ouvido. Ao ler o que acabamos de escrever, podemos escutar o texto que ressoa dentro de nossa cabeça. O ouvido interno costuma ser o melhor revisor —dispõe de uma câmara de eco que nos faz desconfiar de que algo está errado. Daí é meter a caneta ou o mouse.
E se mesmo assim o texto não lhe soar bem, fique certo: não foi o seu ouvido que entortou.
RUY CASTRO
Genial!!
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