Papai e as punições severas de um simples olhar e assim nos tornamos quem somos
- Aderbal Machado
- 14 de ago. de 2022
- 3 min de leitura
Atualizado: 15 de ago. de 2022
Os pais privilegiam a orientação. E financiam nossas aventuras. Ao menos até furarmos aqueles limites - o dos exageros e os dos rompimentos das barreiras da desobediência. Geralmente em nome de uma liberdade só vista por nós.
Papai, neste dia o lembro com nitidez, orientava sem nada falar. Apenas mantendo um comportamento circunspecto quanto às suas obrigações e responsabilidades e cumprindo-as serenamente.
Seu olhar era a pior advertência a qualquer deslize nosso. Porque ele jamais tocou num filho para puni-lo. Nem mamãe fez isso alguma vez. E é saboroso lembrar das vezes em que extrapolamos e imaginávamos qual punição nos seria dada. Ele "ralhava" - modo de definir um esporro e tanto. Isso ele fazia.
Um episódio foi marcante para todo o sempre, em família: Aimberê, o mano logo acima, guardava suas coisas numa gaveta de uma estante. Gibis, coleção de Seleções, apetrechos variados, tacos de sinuca. Um dia, distraído, deixou seu paletó numa cadeira e papai tinha a mania de, toda roupa encontrada, virá-la do avesso e colocar no varal, para tomar sol. Para ele, colocar ao sol era essencial, para desinfetar. Sabia como ninguém usar recursos naturais. Não por acaso era homeopata convicto.
Pois quanto papai foi revirar o paletó, caíram alguns cigarros do bolso. O detalhe é que papai detestava fumar e que seus filhos fumassem. Condenava veementemente e não admitia. A isso nunca fez exceção.
Aimberê estava arrumando a gaveta e corri lá para avisá-lo do ocorrido. Imediatamente, Aimberê quis sair, mas no caminho da saída para a porta estava papai. Não tinham vistas um para o outro. Não teve dúvidas, pulou a janela da frente como um gato e se escondeu sobre uma árvore imensa. Ficou pendurado lá durante muito tempo, de tal modo que fui obrigado a levar o almoço acomodado numa lata de leite Ninho vazia, preparado por mamãe.
E era engraçado: mamãe não "dedava" os filhos e os protegia das punições.
Depois de muitas horas, Aimberê desceu, todo alquebrado pelas posições sobre os galhos da árvore e encontrou papai. Aí ele já não alimentava a vontade de punir e fez de conta que nada era nada. E tudo voltou ao normal. Mas Aimberê, dali em diante, evitou de todo modo fumar ou, pelo menos, dar bandeira com cigarros nos bolsos.
Morávamos no Araranguá nesse tempo, corria o ano de 1952 e a rua era a Engenheiro Mesquita, na casa de Dona Alaíde, quase em frente à antiga Indústria de Calçados Petry, mais tarde instalações da Polícia Militar.
A foto é exatamente daquele tempo, daquela casa, daquele ano e nós éramos daquele jeito. Numa, todos os conviventes da época. Noutra, o detalhe de papai me protegendo com sua mão depositada no ombro. O mano de óculos era Aryovaldo, em visita especial. Os demais, Icleia, papai, eu, Aimberê e mamãe. Com roupas vestidas especialmente para o registro.


Ao papai, nossa saudação e homenagem neste dia, pelo que ele foi e nos tornou.
"Oh, que saudades que tenho, da aurora da minha vida, da minha infância querida que os anos não trazem mais..." (Casimiro de Abreu, em "Meus oito anos"). E era exatamente a minha idade nessa época da foto.
Disse Casimiro no todo:
Oh! Que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras,
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!
Como são belos os dias
Do desapontar da existência!
Respira a alma inocência,
Como perfumes a flor;
O mar é lago sereno,
O céu um manto azulado,
O mundo um sonho dourado,
A vida um hino d’amor!
Que auroras, que sol, que vida,
Que noites de melodia,
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar!
O céu bordado d’estrelas,
A terra de aromas cheia,
As ondas beijando a areia,
E a lua beijando o mar!
Oh! Dias de minha infância.
Oh! Meu céu de primavera!
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã!
Em vez das mágoas de agora,
Eu tinha nessas delícias
De minha mãe as carícias
E beijos da minha irmã!
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